Do tostão ao milhão


Arnaldo Niskier

 As atuais manifestações de rua, com incríveis passeatas reivindicando melhoria nos transportes, na saúde e na educação, entre outras, já tiveram diversas versões anteriores (a mais antiga é de 1840).  Tendo sido capital por muitos anos, é natural que a maioria tenha acontecido no Rio de Janeiro, onde também ocorreram as mais robustas, como agora mesmo a que reuniu mais de 300 mil  pessoas, sob inspiração das redes sociais.  Houve perplexidade inicial diante das possíveis razões do movimento.
 
Todos buscam explicações, que não são simples, sobre as causas disso tudo.  O que parece mais  provável é a existência de uma inestancável insatisfação, sobretudo dos jovens, com os rumos do país.  Reclamam dos investimentos de bilhões de reais para a construção de lindas arenas de futebol, sob rigorosas exigências da FIFA, enquanto ao lado existem favelas ou postos de   saúde abarrotados de populares, sem chance de um atendimento sequer razoável.
 
As sequelas sociais vêm de longe.  Lembro do ano de 1956, governo JK, quando aconteceu a famosa greve dos bondes.  A Light resolveu aumentar o preço, que era de um tostão, e os estudantes foram para as ruas, a fim de protestar energicamente.  Na época, eu era presidente do Diretório Acadêmico La-Fayette Cortes, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade do Distrito Federal, hoje UERJ.  Seguindo orientação da UNE, que não era repartição do   governo, resolvemos paralisar os bondes em sinal de protesto.
 
Na rua Hadock Lobo, na Tijuca, defronte à Igreja dos Capuchinhos e do Instituto La-Fayette, sentamos nos trilhos para jogar xadrez e impedimos a passagem do primeiro bonde Tijuca (linha 66), o que travou todo o restante. Do outro lado da pista, foi estancado o percurso do Malvino Reis (nº 62), que se dirigia para a rua Afonso Pena.  Estabelecido o caos, até então pacífico, motorneiros e condutores desceram dos veículos e vieram para a rua, confraternizar conosco.  Eram solidários  com o movimento.
 
Mas existia a Polícia Especial, os famosos “vermelhinhos”, que preferiam baixar o cassetete  nos estudantes   do que pensar   em dialogar.  Muitos colegas foram agredidos e sangraram a valer.  Outros foram presos, como o vice-presidente do DALC, Luiz Paiva de Castro, que andou sumido por algumas horas.  Só  nos restava um recurso: ir para a sede da UNE, no Flamengo, a fim de protestar contra as violências.  Lá falei para mais de 5 mil estudantes e lembro dos discursos de outros líderes como Lúcio de Abreu, da Escola Nacional de Belas Artes, capaz de ficar horas utilizando o microfone para protestar.
 
 A greve acabou quando o presidente JK, de   formação democrática, chamou os líderes para uma conversa no Palácio do Catete.  O aumento foi cancelado, as prisões foram relaxadas, e a paz voltou a reinar na então capital brasileira.  Quero, pois, valorizar o entendimento quando se trata de justas reivindicações.  Acirrar os ânimos, atos de vandalismo, bombas de efeito moral e balas de borracha, positivamente, não conduzem a bons resultados.