Os doentes da escola


Arnaldo niskier

Houve uma certa euforia, nas hostes da educação profissional, quando o recém
 
criado Pronatec alcançou a incrível marca de 8 milhões de jovens inscritos! Até a
 
presidente da República manifestou o seu entusiasmo. Só que era fogo de palha.
 
Quando começou a avaliação do projeto, verificou-se que ele continha uma altíssima
 
dosagem de evasão: 80% saíam dos cursos antes de chegar a três meses de frequência.
 
 
 
Essa “doença” parece o carma carregado pelo ensino médio brasileiro. Muitas
 
tentativas foram feitas, mas nada que conduza à crença de que uma boa solução tenha
 
sido encontrada. O resultado disso é que temos muitos jovens, na faixa etária dos 15 aos
 
18 anos de idade, fora da escola. Esse abandono é o resultado da pouca atratividade
 
oferecida pelo ensino médio e, o que é pior, a ausência de perspectivas quanto ao
 
necessário ensino profissional. Mãos, mentes e corações ainda não foram mobilizados
 
de forma correta, como aconteceu em outros países do mundo desenvolvido.
 
No Boletim Técnico do Senac, de dezembro de 2015, há formidáveis artigos
 
sobre ensino profissional. Num deles, de Liv Mjelde, da Universidade de Oslo, há
 
referências a opiniões dos jovens sobre o que se passa em seu país: “Você aprende mais
 
trabalhando (na prática) do que sentado numa mesa da escola com toda a bobagem
 
teórica.” Ou “A aprendizagem foi ótima para fugir da rotina de sentar naquela mesa da
 
escola, onde se deve apenas aceitar as coisas. Eu também estava cansado da escola.”
 
Não é muito diferente do que se passa aqui.
 
O estudioso russo Lev Vygotsky, chamado de “Mozart da Psicologia” (morreu
 
muito cedo), em 1933 já afirmava que “as pessoas desenvolvem a sua atividade mental
 
e psíquica por meio da fala, o pensamento e a consciência por intermédio do trabalho
 
(atividade) e cooperação. Segundo Vygotsky, palavra e significado são ferramentas
 
básicas para investigar o desenvolvimento de processos de linguagem e pensamento.
 
Como epígrafe de um dos seus trabalhos, colocou a seguinte citação de Francis Bacon:
 
“Nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos
 
se cumprem com instrumentos e meios.”
 
Por isso fica claro que bons resultados são obtidos por meio da participação em
 
atividades práticas, partindo do princípio de que nenhum homem é uma ilha. A
 
cooperação com os outros é fundamental.
 
A teoria da atividade é um conceito advindo dessa tradição, representada por
 
Vygotsky e seus seguidores. Conceito importante nesse esquema é o de “aprender
 
fazendo”, como foi vulgarizado por John Dewey, nos Estados Unidos, e trazido por
 
Anísio Teixeira para o Brasil. Não se pode separar o conhecimento da experiência, nem
 
a teoria da prática, nem o pensamento da ação.
 
A democratização mais ampla da escola leva a uma pedagogia para todos. É a
 
antítese do que Paulo Freire chamava em 1970 de “educação bancária”, em que o aluno
 
é visto como uma conta a ser preenchida. Os estudantes da classe trabalhadora não
 
aceitam esse tipo de escola. Isso justificaria, a nosso ver, o alto índice de abandono que
 
se assinala não apenas no Brasil, mas até mesmo em países onde o índice de
 
desenvolvimento econômico e social é mais aperfeiçoado do que o nosso.
 
 
Embora 46,1% da população brasileira com carteira de trabalho assinada tenha
 
completado a educação básica (dados de 2014), o que dá um número de cerca de 23
 
milhões de pessoas, precisamos avançar para ampliar essas perspectivas. O professor
 
Carlos Alberto Serpa, em nome da Academia Brasileira de Educação, decidiu montar
 
diversos grupos de trabalho para oferecer sugestões ao MEC. Um deles foi específico de
 
ensino médio, sob a liderança de personalidades indiscutíveis: Terezinha Saraiva e
 
Roberto Boclin. Uma das ideias foi bem objetiva: manter os três anos de ensino médio,
 
mas com o último podendo destinar-se ao ensino profissional. Assim seriam formados
 
os técnicos de nível intermediário de que carecemos, ficando o caminho igualmente
 
aberto para os que desejassem seguir a trajetória para o ensino superior.