Um segredo de Tancredo


Arnaldo Niskier

A frase é de Frei Betto, publicada em O Globo: “Tancredo repetiu o que aconteceu com Moisés. Levou o seu povo à Terra da Promissão, mas não pôde entrar.”. Queria se referir à morte do grande líder mineiro, às vésperas de tomar posse à frente do país que ajudara a redemocratizar.
 
A esse propósito, muitas reportagens recordaram a importância de Tancredo Neves. Sua agonia foi acompanhada pelo povo brasileiro. Tendo gozado da sua intimidade, sinto-me no dever de contar algo até aqui quase desconhecido.
 
Adolpho Bloch resolveu abrir as portas da sede da Manchete, em Brasília, para um grande jantar em homenagem ao novo presidente. A posse seria no dia 15 de março de 1985. O jantar programado para dois dias antes. Foram convidados todos os novos ministros. Lembro até de uma encrenca com o cerimonial do Itamaraty. Até às 18 horas daquele dia, o ministro da Agricultura era Bernardo Cabral. Foi convidado, mas Tancredo, em cima da hora, resolveu atender ao governador do estado do Pará e trocou Bernardo por Nelson Pereira. Ninguém da Manchete sabia. Coloquei Bernardo na mesa, mas vieram me pedir para retirá-lo. Não permiti. Ficaram os dois.
 
Às 21h20 chegou Tancredo, acompanhado de D. Risoleta. O Adolpho me pediu para recebê-lo no jardim. Quando me viu, velho amigo meu (habituée das temporadas artísticas do Teatro Municipal, no Rio), passou o braço pelo meu ombro e disse a frase meio enigmática: “Vou precisar muito da sua ajuda, mais prá diante.”
 
Depois de acomodar o casal, na mesa principal, com aquela frase na minha cabeça, procurei o Tancredo Augusto, filho do presidente, e perguntei o seu real significado. Então, veio a explicação: “Ele é seu fã. Queria colocar você na direção do MEC, mas teria que se entender com o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Não queria fazer isso. Então, ia esperar um ano e, na primeira reforma ministerial, você seria Ministro da Educação.” Levei um susto, é claro.
 
Depois, todos sabem o que aconteceu. Na véspera da posse, em Brasília, jantávamos alegremente na residência do publicitário Euler Monteiro, da MPM, quando chegou o ministro Carlos Átila e disse a frase assustadora: “Amanhã, não haverá posse. O Tancredo está sendo agora hospitalizado – e seu estado é muito grave.” Acabou o jantar, com Adolpho Bloch e o governador Faria Lima fomos para a sede da Manchete, a fim de conhecer mais detalhes do que estava ocorrendo. As notícias eram desencontradas.
 
Na manhã seguinte, fui com o Adolpho para o Hospital de Base, fazer uma visita a D. Risoleta e saber notícias concretas do estado de saúde do Tancredo. Ela nos deu um relatório ainda otimista, corroborado pelo fotógrafo Gervásio Baptista, que vira o presidente. Mas a realidade, infelizmente, era outra.
 
PS – Depois eu soube que a bancada federal do PMDB do Rio de Janeiro, por unanimidade, tinha indicado o meu nome para ministro, sem que eu soubesse. O destino optou por outro caminho.