Crônicas

Bento Teixeira e o processo inquisitorial
Arnaldo Niskier

O material produzido pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição é rica fonte de informação que nos possibilita a compreensão de muitos fenômenos nas mais diversas áreas. Podemos encontrar, lendo nas entrelinhas dos interrogatórios e de outros textos produzidos na época, parte da história de cada preso.

Bento Teixeira, autor da obra Prosopopeia, é conhecido como o primeiro poeta brasileiro, e, provavelmente, o primeiro nas Américas. Foi preso pelo Tribunal do Santo Ofício em Pernambuco e morto nos cárceres da Inquisição em Portugal.

Sua vida, traços de sua personalidade e algumas de suas ideias podem ser percebidos através de textos que redigiu enquanto permaneceu preso. Homem de extraordinária erudição, em um ambiente sem escolas, livros e cultura, Bento Teixeira nasceu no Porto, em 1560. Mudou-se com a família para o Brasil aos seis anos de idade.

Judeu de origem, recebeu de sua mãe, Lianor Rodrigues, os primeiros ensinamentos do Judaísmo. Passou sua primeira infância na capitania do Espírito Santo, e, em seguida, mudou-se para o Rio de Janeiro, Bahia e, quando órfão, foi morar em Pernambuco. Formou-se no Colégio da Companhia de Jesus, tornando-se professor de letras e latim. Casou-se com Felipa Raposo, por quem nutria uma grande paixão, e cuja traição o levou ao desespero e ao crime.

Bento Teixeira consta entre os primeiros subversivos do Brasil. Foi denunciado como judaizante. As principais denúncias referiam-se às críticas que fazia ao Catolicismo. O poeta zombava dos dogmas e dos representantes da Igreja. Descria da existência do Purgatório e da Santíssima Trindade, assim como da virgindade de Maria. No campo intelectual, Bento Teixeira chamou a atenção dos Inquisidores. Homem de vasta cultura, traduziu a Bíblia para a linguagem vernácula, o que, na época, era proibido. Foi preso pelo Santo Ofício, em 1595, tendo ficado encarcerado por quatro anos.

Consta que os padres que o visitavam na cela procuravam convencê-lo a confessar-se culpado para, assim, livrar-se da morte. Destacam-se os Padres da Companhia de Jesus como confessores e acompanhantes dos presos durante a prisão e nos autos de fé.

A máquina inquisitorial foi delatada por Bento Teixeira em seus aspectos mais sórdidos, em tom de denúncia, sobre a tortura e corrupção aos próprios Inquisidores. O poeta relatou a comunicação entre os presos dentro da prisão e destes com parentes e amigos fora dela; os conselhos que os réus mandavam aos membros da família para que confirmassem o crime de Judaísmo para poderem ser absolvidos. Nos cárceres, se acertavam casamentos, numa tentativa dos presos de manterem algum laço com o mundo do qual haviam sido arrancados.

Bento Teixeira descreveu a Inquisição em toda a sua monstruosidade. Chamou a prisão de um “inferno abreviado” e os Inquisidores de “homens cegos”, que prendiam pessoas sem culpa alguma, submetendo-as a “violências e desonras”. Diz, textualmente, em seus escritos que os Inquisidores buscavam as culpas “por toda a terra, e quando não as achavam, iam buscá-las no abismo”.

O orgulho de ser judeu colocou a maior expressão do pensamento crítico da sociedade colonial em destaque em meio aos perseguidos, os quais sempre desejavam apagar suas origens judaicas. De um lado, iluminou, com suas ideias, as trevas do pensamento brasileiro; de outro, foi um produto do sistema político em vigor, que transformava cada cidadão em colaborador.

Apesar de solicitar misericórdia, bajular os Inquisidores e os santos, de nada lhe valeu colaborar com o sistema. Apenas adiou a morte, tendo o mesmo destino de muitos outros portugueses. Os anos vividos no cárcere o mataram. O poder, o Estado e a Igreja puseram fim, aos 40 anos de idade, à vida do maior pensador que o Brasil teve no seu primeiro século.

 
  • Twitter - Arnaldo Niskier
  • Facebook - Arnaldo Niskier
  • Orkut - Arnaldo Niskier